terça-feira, 13 de março de 2012

“Barbárie”

                                                                                      Miguel Baldez


As aspas são uma referência à presidenta Dilma Rousseff que, segundo dizem os jornais, usou esta mesma expressão para classificar a violência do Estado de São Paulo contra a comunidade do Pinheirinho em São José dos Campos. Barbárie sim, mas e agora? Como vai comportar-se o governo federal? Acomodar-se e reduzir o fato em si a mero caso isolado, ou admitir, enfim, que não se trata de uma simples exceção política, como poderia, até com argumentos conceituais, manter na história do Brasil o atual fingimento democrático que esconde esta sociedade de privilégios e miséria cuja origem se perde na gestação colonial de estrutura escravista para projetar-se tempo afora sob o signo fortemente colorido da pobreza de seu povo, de parca alimentação e sequestrada moradia.

     A este povo nunca se reconheceu, concretamente, qualquer direito, apenas bem elaboradas formas e formulações jurídicas, uma bem urdida igualdade na lei. Se todos são iguais perante a lei, como diz lá a Constituição Federal em seu artigo 5º, a igualdade será sempre, sendo a lei abstrata, uma abstração.

     Pois está na imposição e eficácia da lei abstrata o principal meio de controle da sociedade. É através das leis que se reduzem a conflitos individuais as grandes contradições sócio-econômicas, é assim, como exemplo definitivo, que a contradição entre trabalho e capital, pela regulação do direito do trabalho, fica reduzida ao conflito entre empregado e empregador, é assim também que a contradição entre o latifúndio ou o agronegócio e a posse da terra configura-se como conflito pessoal entre o latifundiário e o posseiro.

     Foi, portanto, com poder político, força e fórmulas jurídicas que o poder econômico construiu em torno da terra no Brasil, antes dos mourões e do arame farpado, uma quase intransponível cerca jurídica, uma não, na verdade, duas cercas jurídicas, uma cerca morta, tecida com normas constitucionais, leis, regulamentos, regras, produzida por competentes artesãos de variados poderes institucionais, outra viva, representada por juízes, desembargadores e ministros de sabe-se lá quantos tribunais, e, principalmente, por ferozes policiais muito bem amestrados que se revezam com a imprensa como cães de guarda da propriedade privada.

     A violenta investida armada, incluindo, como parece, armas letais, contra Pinheirinho não chega a ser uma novidade no trato do povo sem terra, no campo, e sem moradia, nas cidades. Se o espanto e a repercussão foram maiores isso se deveu à brutalidade da ação das autoridades do governo de São Paulo ao mostrarem, sem o menor pudor, a cara horrenda do fascismo.

     O repúdio ao massacre do Pinheirinho por sua dimensão nacional e mesmo, espera-se, internacional, vem reforçar o repúdio a todas as situações idênticas cada hora mais freqüentes nestes brasis: em Belo Horizonte, a heróica resistência de Dandara, no Rio de Janeiro, a permanente prática predatória do Prefeito e de seu fidelíssimo Secretário de Habitação, derrubando com frenético ritmo casas e mais casas da população pobre da cidade... E são todos religiosos e fiéis a seus respectivos credos... Como se dizia aliás de vários torturadores durante a ditadura militar.

     Como resistir? Só o povo, organizando-se, pode fazê-lo. Só o povo, reconhecendo-se como coletivo e com a consciência de sua realidade histórica, pode travar esta luta, que, sendo estratégica, é libertária, e pressupõe ética e igualdade substantiva. Mas esta é uma luta que não se trava sozinho. Daí ser fundamental o apoio de todos à gente do Pinheirinho, apoio do povo e das instâncias democráticas do campo institucional como as defensorias públicas em geral e outros órgãos, oficiais ou não, comprometidos com os princípios e as regras de direitos humanos.

     Enfim, em conclusão, um apelo à Exª. Srª. Presidenta da República. Diga, Exª., a essa gente do poder, que a sua prédica pela erradicação da pobreza, além do discurso, é um princípio constitucional (artigo 3º da Constituição Federal), e diga também, com forte ênfase, que erradicar a pobreza não significa acabar fisicamente com os pobres desta sofrida nação.  



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Arrogância de Classe


Miguel Lanzellotti Baldez

                Arrogância sim, de cunho cruel e intolerância reacionária, eu diria até racista, manifestada por festejado intelectual do ramo das matemáticas no jornal O Globo do dia 10 de janeiro. Pois sem preocupar-se com sua própria história, de merecido reconhecimento como homem de números e contas, meteu-se ele a criticar e desqualificar o programa de regularização da comunidade do Horto Florestal, esbanjando equívocos quanto à formação da comunidade, erros graves no campo do direito e, ainda, lamentavelmente, com inadmissível desprezo pela ética.
                Não fosse ele o homem respeitável e de fina imagem que é, bastaria como resposta um simples e banal desaforo: vá cuidar da sua vida, professor, ou o vulgar – vá procurar sua turma, cara. Mas, tratando-se de respeitável intelectual, cientista de peso no campo das ciências exatas, algumas ponderações Sua Senhoria merece ouvi-las, consultar-se lá com seus botões e – quem sabe? – assumir o mal feito e desmentir-se publicamente. Seria um gesto de grandeza moral que O Globo não publicaria...
                Mas ouça ele as necessárias ponderações. Antes, algumas preliminares: por que o ilustre e inesperado articulista não se manifestou contra a instalação do Espaço Tom Jobim no Jardim Botânico, bem como contra a depredação que o uso da área e seu emporcalhamento com garrafas e restos de comida largados pelos refinados freqüentadores de shows e aculturados programas? Nenhum protesto, repita-se. Por quê?
                Outra preliminar. Há tempos, segundo se diz entre os moradores, houve uma queimada lá no Horto Florestal para acomodação do Instituto Superior de Matemática, de inquestionável importância para pesquisadores e formação científica dos jovens brasileiros. Tudo bem, mas quanto à sobrante terra inaproveitada, aberta e vazia a espalhar-se por este nosso Rio de Janeiro... Precisava ser no Horto?
                O artigo veiculado pelo O Globo não passa, portanto, de mera arrogância de classe, e que se inscreve na torpe campanha que o dito jornal tenta retomar, usando, sem pudor, um distinto e culto senhor, distraído ou desavisado, cuja leitura alienada da realidade não lhe permite perceber o povo, seus interesses, suas necessidades e seus direitos na história do Horto.
                Resolveu, então, o inconformado e desinformado professor, sem perceber o triste papel que representava, criticar a União por ter optado pela demarcação da área e consolidação das moradias compatíveis com o projeto. Trata-se de ato administrativo e típico do poder discricionário que, nos termos da Constituição Federal, somente a ela cabe. É tolice supor que o nome da UERJ vem sendo usado indevidamente. Inspirou-se ele na própria prática, a auto-suficiência de uma classe que se considera dona e senhora do universo, autorizada em si e por si mesma a afirmar qualquer bobagem.
                A intervenção da UFRJ pelo Instituto de Arquitetura da Universidade Federal de Arquitetura, representada por um de seus mais qualificados professores – fiquem certos tanto o que escreveu como os parvos e contumazes detratores que o estimularam – é fruto de legítima e legal parceria com o Serviço de Patrimônio da União, obedecidas todas as normas administrativas aplicáveis à complexidade do fato.
                Enfim, o processo de regularização das comunidades do Horto Florestal está entrando em sua fase final, depois de ultrapassadas algumas dificuldades e etapas técnicas, com absoluto respeito ao meio ambiente, às efetivas necessidades do Jardim Botânico e rigor no trato jurídico da ordem constitucional.
                Aceite, pois, senhor articulista, em respeito de sua história e sem o rancor de sua envelhecida classe, estas singelas e éticas ponderações.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

ALERTAS, COMPANHEIROS

Miguel Lanzellotti Baldez



            Os emails de Fátima e Marcos Asevedo, dando notícia de variada intervenção de militantes e representantes da igreja junto aos movimentos populares soaram em meus ouvidos e na minha compreensão como vigoroso grito de alerta diante das pressões e ações concretas da prefeitura e, nela, da secretária municipal de habitação, sempre presentes nas pessoas de Eduardo Paes e Jorge Bittar, respectivamente. Inclementes em continuadas remoções seguidas de demolição das casas da gente pobre que habita áreas atingidas por projetos relativos ao refazimento e valorização da cidade com vistas a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, o grande pretexto, além de eventuais chuvas para expulsar da terra do rico o pobre que antes dele lá instalara o seu habitat. E todos se dizem democratas e falam até em nome de Deus...

         São comunidades inteiras e numerosas as atingidas. Eu diria, lembrando velho refrão, dispersadas sem dó nem piedade, muito menos qualquer reparação ou indenização. Só promessas e mentiras. Em alguns casos, sem respeitar minimamente direitos elementares, como aconteceu em Recreio 2, onde não tiveram o cuidado de levar a depósito publico os utensílios e móveis do companheiro despejado. A ordem era demolir rapidamente antes que uma improvável ordem judicial, coisa rara mas possível, viesse a impedir a remoção.

O Conselho Popular, esta instância política criada pelos trabalhadores para garantir seu espaço de moradia e seu habitat de convívio democrático, uma necessidade ética, quer fazer do homem excluído pela pobreza social e econômica presentante de si mesmo, uma forte e coletiva presentatividade diante do Estado, iluminado pela certeza de que está sozinho nesta luta, enfim a compreensão de que os órgãos representativos institucionais, nesta hora trágica de sua vida, estão todos, como órgãos do Estado e sem exceção, desinteressados de sua sorte.

         Ora, deixe-se de radicalismos, dirão os homens chamados de boa-fé. Dirão e repetirão esses bons cidadãos, alguns sem perceberem o que se esconde na boa fé, outros sem tanta fé, e fingindo não perceber que o radicalismo, beirando o vandalismo é da Prefeitura e muito bem coordenada e executada, sem pudor o remorso  pelo senhor Prefeito e seu Secretario de Habitação. Dirijam a eles, senhores de boa-fé, seus apelos bem intencionados.

          Restam as ONG(s), mas dessas o meu receio é de que, parceiras da prefeitura em vários projetos, provavelmente importantes para a reconstrução e embelezamento desta heróica cidade de São Sebastião, parceira também da União e do Estado do Rio de Janeiro, acabem, com as exceções de praxe, servindo de manta, como os velhos pelegos do nosso sindicalismo, para que as autoridades montem como mais comodidade nas costas do povo.

         Quanto à Defensoria Publica, no traçado constitucional o principal apoio dos moradores discriminados e violentados, foi desmantelada de sua antiga, atuante e comprometida formação sem qualquer explicação convincente, e de seus legitimados representantes, os que compunham o competente Núcleo de Terras – Nuths, estes, depois de exonerada sua coordenadora, exoneraram-se também, e foram, todos, punidos com a dispersão geográfica por vários municípios do Rio de Janeiro, cômoda forma de retaliar funcionários indesejáveis por sua firmeza ética, como no caso, ou política.

         Enfim a importante participação da Igreja, cuja a prática pastoral em ações concretas se iniciou com D. Eugênio Salles, assessorado pelo saudoso advogado Bento Rubião, e que quando mobilizada ou não pelos ecos e efeitos do Concílio Vaticano II, Puebla e, guardadas posições pessoais, como o espírito cristão de D. Eugênio, pela Teologia da Libertação, fez no Rio, sem contradições, clara opção pelos pobres. Uma Igreja muito bem representada pela Pastoral de Favelas, como, por exemplo, na inesquecível e celebrada (inclusive com missa campal) resistência da comunidade do Anil.

         Pois hoje, com todo o respeito e profunda apreensão, de fora da Igreja mas antigo parceiro em lutas comuns receio que de que se acabe no Rio, como no triste episódio bíblico, e isto não seria próprio da Igreja, lavando as mãos.

Despejo Não! Com Dandara eu Luto!

4ª MARCHA DA COMUNIDADE DANDARA AO CENTRO DE BH.

4ª MARCHA DA COMUNIDADE DANDARA AO CENTRO DE BH - 25 Km a pé. Luta por moradia digna.

Dia 20/10/2011, às 06:20 hs.

Hoje, 5f, dia 20/10/2011, às 04:00 hs da madrugada, cerca de 800 pessoas da Comunidade Dandara, no Céu Azul, em Belo Horizonte, iniciaram mais 1 MARCHA rumo ao centro de BH. Serão 25 Km a pé até a 6a Vara da Fazenda Pública, na R. Gonçalves Dias, perto da Praça da Liberdade, onde o povo de Dandara, às 15:00h acompanhará se manifestando mais uma Audiência judicial para tentativa de Conciliação, sob a presidência do juiz Dr. José Manoel. Na Marcha estão também mulheres grávidas, idosos, crianças de colo, pessoas em cadeiras de roda... Dandara não aceitará ser despejada. O mandado de despejo de Dandara, expedido pelo TJMG é injusto, imoral, inconstitucional. Se a polícia for para despejar haverá confronto. Muita gente preferirá morrer na luta de que voltar a viver humilhado jogado nas ruas. Problema social jamais se resolve de forma justa com repressão, com polícia, se resolve sim é com POLÍTICA, com diálogo e negociação séria.

Contatos para maiores informações:

Joviano Mayer, cel.: 031 8815 4120,

Maria do Rosário, cel. 031 92419092

Rafael, cel.: 031 88120110

Guilherme, cel.: 031 8312 9078

Wagna, cel.: 031 8697 6216

Rosa, cel.: 9287 1531 ou 031 97713891

Frei Gilvander Moreira, cel.: 031 9296 3040

Obs.: Cf. o BOLETIM, ABAIXO, com mais informações.

BOLETIM DA RESISTÊNCIA - Nº 2

AJUDEM A DIVULGAR!

Amanhã (quinta, dia 20/10) será a grande MARCHA DA RESISTÊNCIA DA COMUNIDADE DANDARA. Sairemos da Comunidade Dandara às 04h da manhã, rumo à 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual (Rua Gonçalves Dias, nº. 1260, próximo à Praça da Liberdade - OBS: Não é no Fórum Lafayette), para acompanhar audiência judicial designada para 15h. O trajeto será feito pela av. Antônio Carlos. Previsão de passar na porta da UFMG às 09h. Confirme sua participação no EVENTO CRIADO NO FACEBOOK.

Leia texto escrito por Adilson Ramos da Silva por ocasião da 3ª Marcha da Comunidade Dandara, realizada no dia 05 de julho de 2011.

Veja o belo PROJETO FOTOGRÁFICO produzido por Giulio Di Meo, artista italiano de Bolonha que esteve recentemente na Comunidade Dandara. As fotos, também postadas no FACEBOOK, ilustram algumas ruas da comunidade com algum(a) morador(a) ao lado.

Confira matéria do JORNAL BRASIL DE FATO sobre a grave situação de ameaça de despejo da Comunidade Dandara e, ainda, o texto “Se acabarem com Dandara, eu morrerei também”, escrito por Frei Gilvander Moreira.

Assine o ABAIXO-ASSINADO Pelo direito à moradia: Despejo não. Com Dandara eu Luto!

TEXTO escrito pela advogada popular Maria do Rosário sobre o inesquecível Abraço Solidário à Comunidade Dandara, realizado no último dia 16 de outubro.

Veja ainda as FOTOS AÉREAS DO ABRAÇO SOLIDÁRIO, também postadas em ÁLBUM DO FACEBOOK, e o vídeo SOMOS TODOS DANDARA filmado no dia do histórico Abraço.

Contribua na difusão do PANFLETO DA RESISTÊNCIA (também anexo) para ser rodado em formato A5

Novos vídeos: Com DANDARA eu luto e Dandara: O outro lado da cidade

Clique AQUI para ver a evolução urbanística da Comunidade, com fotos aéreas de julho de 2009, julho de 2010 e julho de 2011.

Divulgamos, novamente, o belo PROJETO URBANÍSTICO elaborado por estudantes e profissionais que prestam assessoria técnica à Comunidade Dandara. Tal projeto, construído com a participação direta dos moradores da Comunidade Dandara, foi veementemente rejeitado pela Construtora Modelo durante o processo de negociação.

Primeiras FOTOS da Campanha Internacional de Solidariedade contra o despejo da Comunidade Dandara.

Abaixo, segue proposta de CAMPANHA INTERNACIONAL DE SOLIDARIEDADE, para que o Brasil e o mundo fortaleça a defesa da Comunidade Dandara!

MEXEU COM A DANDARA, MEXEU COMIGO!

CAMPANHA INTERNACIONAL DE SOLIDARIEDADE A COMUNIDADE DANDARA, EM BELO HORIZONTE, MG

Se você está fora do país, ou conhece alguém que esteja, contribua com a CAMPANHA INTERNACIONAL DE SOLIDARIEDADE A DANDARA.

Tire foto(s) com um cartaz dizendo “Despejo não. Com Dandara eu luto!”. Assine o nome, local e data da foto. Sugerimos que tal foto seja tirada num local que identifique facilmente o país.

Publique a foto no Facebook e a envie pra comdandaraeuluto@gmail.com

Mais informações sobre Dandara http://www.brigadaspopulares.org/

CAMPAÑA INTERNACIONAL DE SOLIDARIDAD

Se está fuera del país, o conoce a alguien que lo esté, contribuya con la CAMPAÑA INTERNACIONAL DE SOLIDARIDAD A DANDARA.

Saque una foto con el cartel diciendo "Desalojo no. Con DANDARA yo lucho" firme el nombre, el local e fecha de la foto. Sugerimos que tal foto sea sacada en un local que identifique fácilmente el país.

Publique la foto en el Facebook y envíela para comdandaraeuluto@gmail.com

Más información sobre Dandara http://www.brigadaspopulares.org/

CAMPAING OF SOLIDARITY TO DANDARA.

If you are out of our country, or know someone that is living abroad, help us with the INTERNATIONAL CAMPAING OF SOLIDARITY TO DANDARA.

Take photos with a poster saying "No eviction! With dandara I fight!". Sign your name, local and date. We sugest you to take the photos in places that identify easily the country.

Publish it on facebook and send to comdandaraeuluto@gmail.com

More info about Dandara http://www.brigadaspopulares.org

Cf. www.brigadaspopulares.orgwww.ocupacaodandara.blogspot.com

VÍDEOS NO YOUTUBE SOBRE DANDARA:

https://mail.google.com/mail/?hl=pt-BR&tab=wm#inbox/13347cbbe84b830c

https://www.youtube.com/watch?v=yPI34__86Mo&feature=player_embedded#!

https://www.youtube.com/watch?v=77iqt7WTFX0&feature=player_embedded

Dandara


 
         Miguel Lanzellotti Baldez



Conheci Dandara e enriqueci minha vida no pouco tempo de convívio com aquela gente que se constrói como se estivesse criando um novo mundo. Foi a minha primeira reflexão, ao me deparar logo à entrada da comunidade com o mapa, ou planta da área mostrando em seu traçado a presença técnica de arquiteto ou engenheiro, em suma alguém que compreendera o sentido da cultura e da solidariedade e percebera que o seu conhecimento era fruto da expropriação histórica da classe trabalhadora destinada a abastecer, desde a revolução burguesa, os fundos do capital.

Importante assinalar, no campo das minhas reflexões, a divisão dos homens na chamada modernidade entre o homem inspirado no modelo da burguesia, titular absoluto de todos os direitos, e consagrado nas leis civis do ocidente e o homem cuja subjetividade, seu reconhecimento como pessoa fora limitado à necessidade de levar ao mercado a única mercadoria que lhe deixaram, sua força de trabalho. Pois este homem, em luta permanente pela vida em permanentes confrontos nas fábricas, conquistando duramente seus escassos e limitados direitos, banido e degradado pelo capital, só vai reencontrar-se consigo mesmo quando, escapando do encapissulamento jurídico em que o meteram e individualizaram, se descobre no outro e no outro, e vai assim, de companheiro e companheiro, identificando-se em cada um dos seus iguais até despontar no coletivo.

Este homem e esta mulher que encontrei em Dandara, proteção de histórica crença e nome da Avenida Central da nova vil mas não só vila, cidade, estado, um dos muitos anúncios  felizmente espalhados Brasil afora e prova de que uma outra sociedade é possível que nasça da solidariedade e que, por isso, certamente construirá uma nova igualdade. Concreta, econômica e social, e não apenas uma igualdade perante a lei, que, embora impositiva, é só uma abstração...

Em Dandara também encontrei uma outra igreja, atuante, de mangas arregaçadas, inspirada no caráter democrático do Concilio Vaticano II e na Teologia da Libertação, sempre do lado dos moradores e mostrando que a construção da própria vida, abrindo ruas e levantando as casas da coletividade pode ser a reza que leva a Deus. A religião deixando de ser, como disse Marx, “o suspiro da criatura oprimida” para tranformar-se na alma da nova criatura, como entre outros, essa brava gente de Dandara, forte mas ainda ameaçada em suas necessidades fundamentais.

E quais são essas necessidade fundamentais? Sem dúvida, alimentar-se e morar.

A inspiração em Dandara é profícua, principalmente quando o grande inimigo vem de fora. Como em Palmares, aquela federação de quilombos, onde a altivez do negro construiu um forte estado de resistência à violência do branco, hoje, aqui, os moradores deste teoricamente renovado quilombo, há de convocar e reunir os resíduos democráticos construídos no tempo histórico deste Brasil ainda sofridamente Pindorama.

Está aí, como exemplo maior, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, importante sujeito coletivo cuja luta efetiva o torna parceiro e companheiro de Dandara, e outros tantos movimentos libertários emergentes dentro ou fora do Brasil. Estão aí, na luta pela terra, como o MNLP e o Conselho Popular no Rio, estão aí importantes setores universitários onde alguns professores, não muitos é verdade, já sentiram nos enfrentamentos de classe a emergência de um novo direito, concreto e emancipatório das camadas subalternas da sociedade.

Resta uma pequena mas definitiva observação em torno do direito burguês, esse direito de acolhida e consolidação no Brasil pela classe que, entre nós, detem o poder graças ao mecanismo da representação. Assim, o trabalhador trabalha, o capitalista lucra e amplia o seu capital e os políticos, através do Estado, administram os interesses do capital, mantendo o trabalhador, através do controle salarial, submisso ao capitalista.

Vale pensarmos juntos na alimentação e na moradia, são duas necessidades de vida, necessidades éticas. Pois o direito, ao apropriar-se delas, transforma-as em mercadorias. Sob o controle deste direito, a satisfação tanto de uma quanto de outra destas necessidades essenciais exige um pagamento, o preço imposto pelo capital.

O meu voto aos companheiros de Dandara: resistam companheiros, organizando-se politicamente, resistam para manter a terra que ocupam e onde construíram em democrático projeto de cidade, solidária e igualitária.





Vila Autódromo. Importante apoio do MST às lutas Urbanas do Povo do Rio de Janeiro. Do Boletim do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. - Publicado pelo Jornal Fazendo Média -. (Miguel Baldez)

Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira – Vila Autódromo resiste à remoção



Nas últimas semanas a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) do Rio de Janeiro intensificou suas ações para implantação do projeto de remoção da Vila Autódromo. O objetivo da SMH é a remoção da comunidade para construção do Parque Olímpico das Olimpíadas de 2016. O discurso de “diálogo” e “transparência” postos pelo secretário Jorge Bittar desmorona quando observamos os pormenores desse processo.

A comunidade Vila Autódromo, localizada na Barra da Tijuca, área nobre do Rio de Janeiro, sofre mais uma vez pressões por parte do Estado para a sua remoção. A área que um dia abrigou uma das primeiras comunidades caiçaras do Brasil consta hoje com cerca de 1500 moradores.
Caminhando por suas ruas chama a atenção de qualquer as marcações nos muros das casas (pichações gastas com a insígnia “SMH” seguida de um número) que registram a tentativa de remoção da comunidade em 1993 durante o governo de César Maia. Na época, o subprefeito da região da Barra da Tijuca e Jacarepaguá era ninguém menos que Eduardo Paes, atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro.

De 1993 para cá o valor do imóvel na região, assim como em grande parte do Rio de Janeiro, vem crescendo a passos largos.
Em 2009, logo na semana seguinte ao anúncio pelo Comitê Olímpico Internacional da eleição do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas 2016, já registravam-se aumentos na procura por imóveis na região. Segundo dados do SECOVI-RJ (Sindicado da Habitação do Rio de Janeiro) apenas entre janeiro de 2009 e janeiro de 2010 os imóveis de 1 quarto localizados na Barra da Tijuca e Jacarepaguá subiram seus valores respectivamente em 36,81% e 48,83%.
Se antes o discurso para remoção eram os Jogos Panamericano e argumentos como “dano estético e ambiental”, passado cerca de dezenove anos essa história pouco mudou. Agora nessa nova fase o discurso majoritário que da força e legitima as investidas pró-remoção na comunidade são os Jogos Olímpicos.
Últimos Dias

Na manhã do dia 16 de outubro (domingo), em uma tenda armada na entrada da comunidade, o Secretário de Habitação do Rio de Janeiro, Jorge Bittar, apresentou o suposto projeto de “reassentamento”. A exposição consistiu em explicações sobre a destinação do espaço para a construção do Parque Olímpico e a apresentação da planta dos apartamentos de 40m², a serem construídos na Estrada dos Bandeirantes, para onde seriam reassentados os moradores removidos. Jorge Bittar afirma que a metodologia adotada pela secretaria, diferente do caso de 1993, é a do diálogo. Porém não é bem isso que os fatos vem demostrando.
Quando questionado porque não direcionar o uso da verba para melhorias da comunidade ao invés da sua remoção, o secretário alega que seu papel nesse processo é de implantação do projeto, não sendo da sua alçada responder qual o motivo da inclusão do espaço da comunidade no Parque Olímpico.
Quando solicitado um documento com o projeto por escrito, para análise detalhada e avaliação por parte dos moradores, nada foi entregue. Situação que se repete em outras comunidades alvos de remoção no Rio de Janeiro.
O projeto do plano urbanístico geral para o Parque Olímpico foi selecionado por meio de um concurso público internacional. O projeto vencedor, elaborado pela empresa inglesa AECOM, não prevê a remoção da comunidade, pelo contrário, propõe investimentos para melhoria da qualidade de vida do moradores. A alteração do projeto da AECOM não foi apresentado nem justificado, explicação que o secretário também alega não ser da sua alçada.
Cancelamento da compra do terreno na Estrada do Bandeirantes
Na terça-feira (18/10), dois dias depois da apresentação do “projeto” de reassentamento pelo secretario Jorge Bittar, o prefeito Eduardo Paes cancelou a compra do terreno na Estrada dos Bandeirante para onde as famílias da Vila Autódromo seriam reassentadas. O cancelamento se deu após denúncias de que a empresa proprietária, “Tibouchina Empreendimentos”, é controlada pela “Rossi Residencial” e “PDG Realtypor”, construtoras que fizeram doações à campanha do prefeito durante as eleições de 2008.
Cadastro dos Moradores

Na quarta-feira (19/10), um dia depois do cancelamento da compra do terreno, cerca de 30 funcionários da prefeitura (Secretaria de Assistência Social e Secretaria de Habitação) foram até a comunidade Vila Autódromo, realizar o cadastro e marcações das casas para dar início à implantação do projeto de remoção.
Tentei conversar com alguns funcionários sobre os procedimentos da ação e os mesmos foram evasivos dizendo que nada poderiam falar. Em conversa com o Assessor de Comunicação da SMH (Secretaria de Habitação) Gabriel Caroli, o mesmo informou que ninguém, nem mesmo ele, estavam autorizados a dar entrevistas.
Durante a atividade da prefeitura não foi apresentado a nenhum morador o projeto de remoção, nem mesmo foram informados sobre o cancelamento da compra do terreno para onde seriam reassentados.

O vídeo ao final dessa matéria demonstra a estratégia da prefeitura e o dito “diálogo” que a mesma estabelece com os moradores. Acompanhados pela Secretaria de Serviço Social, realizam o cadastro com o discurso de “fornecimento de benefícios do governo federal” para conseguir as informações censitárias. Após essa aproximação facilitada pelos “benefícios”, funcionários da Secretaria Municipal de Habitação realizam a medição da residência e registram fotos. Quando os moradores questionam algo sobre a remoção são orientados a aguardar o contato da prefeitura.
Reunião dos Moradores

No último domingo (23/10), após a semana em que ocorreu as intervenções na comunidade, os moradores se reuniram para trocar informações, esclarecer dúvidas e conversar sobre o que de fato acontece e de que forma podem contribuir e construir uma resistência a esse processo de remoção. Fizeram coro ao grupo apoiadores, como defensores públicos, fotógrafos, comunicadores, amigos que reconhecem o caso como algo que não é isolado, mas parte de um projeto de cidade onde a maioria trabalhadora não tem vez. Entre eles, estava presente o Sr. Jorge, morador removido da Vila Recreio 2 dando seu depoimento sobre a forma de ação da SMH. (link http://www.youtube.com/watch?v=TsXe4re7R9g)
Conclusão

Novas pichações sem autorização de moradores, falta de respostas aos questionamentos, uso de instrumentos outros para persuasão, ação em grupo dos funcionários sobre os moradores isolados. Um atropelo a toda legislação advinda do debate e luta em torno do direito à cidade. O Estado, com seu espaço na grande mídia e relações de interesse com grandes empresas, “apaga” os fatos fazendo uso dos seus discursos. Uma atuação antidemocrática digna de regimes autoritários, colocando sob aflição e incerteza uma comunidade que agora procura apoio e formas de ação para resistir. Uma comunidade que até hoje se desenvolveu sem nenhum recurso do Estado, com inúmeras atividades, comércios, templos religiosos, e uma história de mais de 40 anos que não cabem em apartamentos nem condizem com tal realidade.
Nessa sexta-feira (28/10) está previsto uma ação em apoio, moradores e amigos se prontificaram a percorrer a comunidade conversando, escutando as dúvidas, esclarecendo os direitos, levantando os problemas e reforçando a história e o caráter de luta da Vila Autódromo, construindo assim o verdadeiro diálogo. Todos que tiverem disposição para contribuir estão convidados.
Contato da Associação dos Moradores da Vila Autódromo:
Telefone da associação: (21) 24213376 / D. Jane – Diretora social (21) 98475876
(*) Matéria publicada originalmente no Boletim do MST-RJ.