Miguel Lanzellotti Baldez
Conheci
Dandara e enriqueci minha vida no pouco tempo de convívio com aquela gente que
se constrói como se estivesse criando um novo mundo. Foi a minha primeira
reflexão, ao me deparar logo à entrada da comunidade com o mapa, ou planta da
área mostrando em seu traçado a presença técnica de arquiteto ou engenheiro, em
suma alguém que compreendera o sentido da cultura e da solidariedade e percebera
que o seu conhecimento era fruto da expropriação
histórica da classe trabalhadora destinada a abastecer, desde a revolução
burguesa, os fundos do capital.
Importante
assinalar, no campo das minhas reflexões, a divisão dos homens na chamada
modernidade entre o homem inspirado no modelo da burguesia, titular absoluto de
todos os direitos, e consagrado nas leis civis do ocidente e o homem cuja
subjetividade, seu reconhecimento como pessoa fora limitado à necessidade de
levar ao mercado a única mercadoria que lhe deixaram, sua força de trabalho.
Pois este homem, em luta permanente pela vida em permanentes confrontos nas
fábricas, conquistando duramente seus escassos e limitados direitos, banido e
degradado pelo capital, só vai reencontrar-se consigo mesmo quando, escapando
do encapissulamento jurídico em que o meteram e individualizaram, se descobre
no outro e no outro, e vai assim, de companheiro e companheiro,
identificando-se em cada um dos seus iguais até despontar no coletivo.
Este
homem e esta mulher que encontrei em Dandara, proteção de histórica crença e
nome da Avenida Central da nova vil mas não só vila, cidade, estado, um dos
muitos anúncios felizmente espalhados
Brasil afora e prova de que uma outra sociedade é possível que nasça da
solidariedade e que, por isso, certamente construirá uma nova igualdade. Concreta,
econômica e social, e não apenas uma igualdade perante a lei, que, embora
impositiva, é só uma abstração...
Em
Dandara também encontrei uma outra igreja, atuante, de mangas arregaçadas,
inspirada no caráter democrático do Concilio Vaticano II e na Teologia da
Libertação, sempre do lado dos moradores e mostrando que a construção da
própria vida, abrindo ruas e levantando as casas da coletividade pode ser a
reza que leva a Deus. A religião deixando de ser, como disse Marx, “o suspiro
da criatura oprimida” para tranformar-se na alma da nova criatura, como entre
outros, essa brava gente de Dandara, forte mas ainda ameaçada em suas
necessidades fundamentais.
E
quais são essas necessidade fundamentais? Sem dúvida, alimentar-se e morar.
A
inspiração em Dandara é profícua, principalmente quando o grande inimigo vem de
fora. Como em Palmares, aquela federação de quilombos, onde a altivez do negro
construiu um forte estado de resistência à violência do branco, hoje, aqui, os
moradores deste teoricamente renovado quilombo, há de convocar e reunir os
resíduos democráticos construídos no tempo histórico deste Brasil ainda
sofridamente Pindorama.
Está
aí, como exemplo maior, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,
importante sujeito coletivo cuja luta efetiva o torna parceiro e companheiro de
Dandara, e outros tantos movimentos libertários emergentes dentro ou fora do
Brasil. Estão aí, na luta pela terra, como o MNLP e o Conselho Popular no Rio,
estão aí importantes setores universitários onde alguns professores, não muitos
é verdade, já sentiram nos enfrentamentos de classe a emergência de um novo
direito, concreto e emancipatório das camadas subalternas da sociedade.
Resta
uma pequena mas definitiva observação em torno do direito burguês, esse direito
de acolhida e consolidação no Brasil pela classe que, entre nós, detem o poder
graças ao mecanismo da representação. Assim, o trabalhador trabalha, o
capitalista lucra e amplia o seu capital e os políticos, através do Estado,
administram os interesses do capital, mantendo o trabalhador, através do
controle salarial, submisso ao capitalista.
Vale
pensarmos juntos na alimentação e na moradia, são duas necessidades de vida,
necessidades éticas. Pois o direito, ao apropriar-se delas, transforma-as em
mercadorias. Sob o controle deste direito, a satisfação tanto de uma quanto de
outra destas necessidades essenciais exige um pagamento, o preço imposto pelo
capital.
O
meu voto aos companheiros de Dandara: resistam companheiros, organizando-se
politicamente, resistam para manter a terra que ocupam e onde construíram em
democrático projeto de cidade, solidária e igualitária.