Que vergonha!
Miguel Lanzellotti Baldez
“Será
que agora as comunidades vão precisar de advogados particulares
porque não podem confiar na Defensoria Pública?” (Clara)
Vale
relembrar um tanto da história desta nossa Defensoria Pública do
Rio de Janeiro, nascida das entranhas do Ministério Público, passou
por longo processo de democratização e foi firmando-se e
aprimorando-se no tempo na mais importante onda de acesso à justiça,
como reconheceram em trabalho pioneiro Mauro Capelletti e Brian
Garth, sem dúvida o reconhecimento da necessidade de garantia do
pobre, nas demandas judiciais, igualdade jurídica. Tinha sua
atividade ligada à garantia individual institucionalizada, desde as
legendas da vitoriosa revolução francesa, nos fundamentos
igualitários do constitucionalismo brasileiro.
Um
dos pontos fundamentais da Defensoria Pública do Rio de Janeiro
sempre foi sua altiva
postura diante do poder. Mesmo quando passou pelo tempo fechado,
cruel e fascista da ditadura militar soube ela manter-se fiel ao seu
compromisso com o ofendido e humilhado povo pobre.
Bom
lembrar que da resistência democrática vão surgindo na
formalização de ações concretas e continuadas os movimentos
populares, entre as quais importantes lutas pela posse da terra rural
e da terra urbana. No campo luta contra o latifúndio e na cidade,
contra a especulação imobiliária. Surgia, pois, com a organização,
essa coletiva, fonte e efeito político e jurídico deste novo ator
social.
Pois
a Defensoria Pública teve a sensibilidade política de criar,
juntamente com a Procuradoria Geral do Estado, seu importante Núcleo
de Terras e Habitação (NUTH).
Quanto
à Procuradoria Geral do Estado, meteu no saco seu ilustre passado
cujas práticas democráticas podem simbolizar-se em Barbosa Lima
Sobrinho, Raimundo Faoro, Eduardo
Seabra Fagundes e Letácio Jansen, e vendou seus olhos para as
violências do Estado que, graças à divisão das competências
federativas, se transformou no braço armado do governo municipal.
E
a Defensoria Pública? Sem dar-se conta
da natureza de sua institucionalidade constitucional, resolveu
manter, por sua Defensoria Geral, com o Sr. Prefeito deste Município,
diálogo supostamente democrático. Em linguagem bem popular
“acreditar no papo furado” de autoridades descomprometidas com a
coletividade, quando o bom exemplo está dentro da própria casa,
referências democráticas como José Augusto Garcia, André de
Felice, Walter Elysio, José Carlos Tortman e Maria Lúcia de Pontes
são importante espelho.
Pois
contraditoriamente e
em benefício da ação predatória do Município, a Defensoria
Geral, ao invés de reverenciar os integrantes do Núcleo de Terras e
Habitação por terem sido agraciados com a honraria maior da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ, a
medalha Tiradentes, resolveu desconsiderá-los e puni-los,
sublinhando com o impróprio gesto uma desconfortável e inadmissível
aliança com a Prefeitura, levando-os - com a despropositada
exoneração da coordenadora do NUTH, defensora pública Roberta
Fraenkel, e a abertura de procedimento administrativo contra a
defensora pública Adriana Britto, por ter se manifestado no ato
solene de outorga da medalha - a manifestarem seus respectivos
pedidos de exoneração. Todos prontamente atendidos, dispersando-se
o grupo com a chamada punição geográfica, nomeou cada um deles
para cidades diferentes, todas afastadas do Rio. É a isto que
Boaventura de Sousa Santos chama fascismo societal? Se não for não
me aventuro a classificar do ato...
O
NUTH,
é verdade, foi preenchido com outros defensores, certamente
qualificados mas sem experiência suficiente para enfrentar a bem
treinada tropa de choque da Prefeitura, em cujas habilidades não se
inclui compromisso com a verdade, e isso agora ficou claro.
Procurados ou procurando o Sr. Secretário de Habitação do
Município ouviram dele a notícia de que o despejo-remoção da
comunidade Domingos Lopes, em Madureira-Campinho, seria suspenso, com
certeza não seria realizado. O Defensor ouviu a notícia, acreditou
nela e apressou-se em comunicar a boa nova à comunidade. O bom é
que a comunidade já amadurecida nos embates com a versatilidade
pouco ética da autoridade, não acreditou, e, sem contar com o
apoio-dever constitucional da Defensoria Pública, recorreu a
advogado particular e dele, com intervenção junto à juíza de
plantão à noite, plantão muito bem exercido registre-se, obteve a
democrática decisão de suspensão da remoção. Sem dúvida uma
vergonha para a Defensoria Pública. Mas, por outro lado, que boa
lição.
Fica
a esperança, quanto à Defensoria Pública, que o Sr. Defensor
Geral, que não parece homem de cultivar
rancores, chame de volta ao NUTH, sem prejuízo da permanência de
seus integrantes atuais, os defensores exonerados, recuperando assim
a bem sucedida prática anterior, e quanto à Procuradoria Geral do
Estado, que o reconhecido compromisso democrático de sua chefia a
leve a apoiar o povo despossuído do Rio de Janeiro em sua luta
coletiva por direitos humanos.
Difícil
acalentar-se essa esperança, muito difícil mesmo, pois sobre a
cidade, pairando ameaçadora,
sempre está a assombração da especulação imobiliária, contumaz
parceira dos poderes institucionais do Estado.