segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Vila Autódromo. Importante apoio do MST às lutas Urbanas do Povo do Rio de Janeiro. Do Boletim do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. - Publicado pelo Jornal Fazendo Média -. (Miguel Baldez)

Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira – Vila Autódromo resiste à remoção



Nas últimas semanas a Secretaria Municipal de Habitação (SMH) do Rio de Janeiro intensificou suas ações para implantação do projeto de remoção da Vila Autódromo. O objetivo da SMH é a remoção da comunidade para construção do Parque Olímpico das Olimpíadas de 2016. O discurso de “diálogo” e “transparência” postos pelo secretário Jorge Bittar desmorona quando observamos os pormenores desse processo.

A comunidade Vila Autódromo, localizada na Barra da Tijuca, área nobre do Rio de Janeiro, sofre mais uma vez pressões por parte do Estado para a sua remoção. A área que um dia abrigou uma das primeiras comunidades caiçaras do Brasil consta hoje com cerca de 1500 moradores.
Caminhando por suas ruas chama a atenção de qualquer as marcações nos muros das casas (pichações gastas com a insígnia “SMH” seguida de um número) que registram a tentativa de remoção da comunidade em 1993 durante o governo de César Maia. Na época, o subprefeito da região da Barra da Tijuca e Jacarepaguá era ninguém menos que Eduardo Paes, atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro.

De 1993 para cá o valor do imóvel na região, assim como em grande parte do Rio de Janeiro, vem crescendo a passos largos.
Em 2009, logo na semana seguinte ao anúncio pelo Comitê Olímpico Internacional da eleição do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas 2016, já registravam-se aumentos na procura por imóveis na região. Segundo dados do SECOVI-RJ (Sindicado da Habitação do Rio de Janeiro) apenas entre janeiro de 2009 e janeiro de 2010 os imóveis de 1 quarto localizados na Barra da Tijuca e Jacarepaguá subiram seus valores respectivamente em 36,81% e 48,83%.
Se antes o discurso para remoção eram os Jogos Panamericano e argumentos como “dano estético e ambiental”, passado cerca de dezenove anos essa história pouco mudou. Agora nessa nova fase o discurso majoritário que da força e legitima as investidas pró-remoção na comunidade são os Jogos Olímpicos.
Últimos Dias

Na manhã do dia 16 de outubro (domingo), em uma tenda armada na entrada da comunidade, o Secretário de Habitação do Rio de Janeiro, Jorge Bittar, apresentou o suposto projeto de “reassentamento”. A exposição consistiu em explicações sobre a destinação do espaço para a construção do Parque Olímpico e a apresentação da planta dos apartamentos de 40m², a serem construídos na Estrada dos Bandeirantes, para onde seriam reassentados os moradores removidos. Jorge Bittar afirma que a metodologia adotada pela secretaria, diferente do caso de 1993, é a do diálogo. Porém não é bem isso que os fatos vem demostrando.
Quando questionado porque não direcionar o uso da verba para melhorias da comunidade ao invés da sua remoção, o secretário alega que seu papel nesse processo é de implantação do projeto, não sendo da sua alçada responder qual o motivo da inclusão do espaço da comunidade no Parque Olímpico.
Quando solicitado um documento com o projeto por escrito, para análise detalhada e avaliação por parte dos moradores, nada foi entregue. Situação que se repete em outras comunidades alvos de remoção no Rio de Janeiro.
O projeto do plano urbanístico geral para o Parque Olímpico foi selecionado por meio de um concurso público internacional. O projeto vencedor, elaborado pela empresa inglesa AECOM, não prevê a remoção da comunidade, pelo contrário, propõe investimentos para melhoria da qualidade de vida do moradores. A alteração do projeto da AECOM não foi apresentado nem justificado, explicação que o secretário também alega não ser da sua alçada.
Cancelamento da compra do terreno na Estrada do Bandeirantes
Na terça-feira (18/10), dois dias depois da apresentação do “projeto” de reassentamento pelo secretario Jorge Bittar, o prefeito Eduardo Paes cancelou a compra do terreno na Estrada dos Bandeirante para onde as famílias da Vila Autódromo seriam reassentadas. O cancelamento se deu após denúncias de que a empresa proprietária, “Tibouchina Empreendimentos”, é controlada pela “Rossi Residencial” e “PDG Realtypor”, construtoras que fizeram doações à campanha do prefeito durante as eleições de 2008.
Cadastro dos Moradores

Na quarta-feira (19/10), um dia depois do cancelamento da compra do terreno, cerca de 30 funcionários da prefeitura (Secretaria de Assistência Social e Secretaria de Habitação) foram até a comunidade Vila Autódromo, realizar o cadastro e marcações das casas para dar início à implantação do projeto de remoção.
Tentei conversar com alguns funcionários sobre os procedimentos da ação e os mesmos foram evasivos dizendo que nada poderiam falar. Em conversa com o Assessor de Comunicação da SMH (Secretaria de Habitação) Gabriel Caroli, o mesmo informou que ninguém, nem mesmo ele, estavam autorizados a dar entrevistas.
Durante a atividade da prefeitura não foi apresentado a nenhum morador o projeto de remoção, nem mesmo foram informados sobre o cancelamento da compra do terreno para onde seriam reassentados.

O vídeo ao final dessa matéria demonstra a estratégia da prefeitura e o dito “diálogo” que a mesma estabelece com os moradores. Acompanhados pela Secretaria de Serviço Social, realizam o cadastro com o discurso de “fornecimento de benefícios do governo federal” para conseguir as informações censitárias. Após essa aproximação facilitada pelos “benefícios”, funcionários da Secretaria Municipal de Habitação realizam a medição da residência e registram fotos. Quando os moradores questionam algo sobre a remoção são orientados a aguardar o contato da prefeitura.
Reunião dos Moradores

No último domingo (23/10), após a semana em que ocorreu as intervenções na comunidade, os moradores se reuniram para trocar informações, esclarecer dúvidas e conversar sobre o que de fato acontece e de que forma podem contribuir e construir uma resistência a esse processo de remoção. Fizeram coro ao grupo apoiadores, como defensores públicos, fotógrafos, comunicadores, amigos que reconhecem o caso como algo que não é isolado, mas parte de um projeto de cidade onde a maioria trabalhadora não tem vez. Entre eles, estava presente o Sr. Jorge, morador removido da Vila Recreio 2 dando seu depoimento sobre a forma de ação da SMH. (link http://www.youtube.com/watch?v=TsXe4re7R9g)
Conclusão

Novas pichações sem autorização de moradores, falta de respostas aos questionamentos, uso de instrumentos outros para persuasão, ação em grupo dos funcionários sobre os moradores isolados. Um atropelo a toda legislação advinda do debate e luta em torno do direito à cidade. O Estado, com seu espaço na grande mídia e relações de interesse com grandes empresas, “apaga” os fatos fazendo uso dos seus discursos. Uma atuação antidemocrática digna de regimes autoritários, colocando sob aflição e incerteza uma comunidade que agora procura apoio e formas de ação para resistir. Uma comunidade que até hoje se desenvolveu sem nenhum recurso do Estado, com inúmeras atividades, comércios, templos religiosos, e uma história de mais de 40 anos que não cabem em apartamentos nem condizem com tal realidade.
Nessa sexta-feira (28/10) está previsto uma ação em apoio, moradores e amigos se prontificaram a percorrer a comunidade conversando, escutando as dúvidas, esclarecendo os direitos, levantando os problemas e reforçando a história e o caráter de luta da Vila Autódromo, construindo assim o verdadeiro diálogo. Todos que tiverem disposição para contribuir estão convidados.
Contato da Associação dos Moradores da Vila Autódromo:
Telefone da associação: (21) 24213376 / D. Jane – Diretora social (21) 98475876
(*) Matéria publicada originalmente no Boletim do MST-RJ.